China e Brasil: a urbanização como estratégia econômica
Há diferenças fundamentais entre a realidade chinesa e a realidade brasileira, as quais devem ser levadas em conta ao discutirmos o volume e a sistematicidade da preparação infraestrutural naquele país (2). Em primeiro lugar, a China possui o papel de um imenso distrito industrial na divisão mundial do trabalho e da produção. Qualquer comparação deve ter presentes os papéis dos países nessa divisão. A dependência chinesa a um tipo de infraestrutura baseada em urbanização é maior do que em outros países. Além disso, a China se transforma de um país largamente rural para um país urbanizado em grande escala, e o faz com conhecimento de experiências de outros países, bem como com recursos aparentemente inéditos. Nesse sentido, o Brasil passa por uma transformação da base de sua economia na indústria da agricultura para a de manufatura, serviços e informação, disputando com a China e outros atores o papel de produtor e exportador. Soma-se a isto o fato do país asiático possuir grande liquidez de capital, disponível pelo planejamento central do governo, que permite grande mobilização. Mantendo essas diferenças fundamentais como pano de fundo, vemos que o crescimento econômico chinês é fortemente ancorado no investimento em infraestruturas que incluem desde a mobilidade do trabalhador (acaba-se de inaugurar na China o trem mais rápido do mundo) ao apoio logístico para a produção e trocas econômicas (3). A urbanização é tida ainda como um dos ajustes estruturais para reduzir a dependência da China em relação a sua demanda externa e sua dependência das exportações (4). Entre os itens da estratégia chinesa de crescimento estão o enorme investimento em capacidade logística para a mobilidade da produção – a “hiper-mobilidade” (auto-estradas e o sistema ferroviário, que tiveram 70% mais recursos em 2009 que no ano anterior); a mobilidade e distribuição regional da população, prevendo o consumo interno; o crescimento das cidades de porte médio e vantagens comparativas, ancorando-se o modelo econômico na interiorização da indústria através de estímulos como logística, mão de obra e incentivos fiscais; o desenvolvimento acelerado das infraestruturas do país tendo como base um modelo de conurbação; e, finalmente, o pacote de vantagens sociais para novos moradores urbanos oriundos de migração setorial rural para a economia urbana: a China se prepara para receber 10 milhões de novos cidadãos (5). Esses argumentos, contudo, não implicam que nosso país não tenha a necessidade de investir em logística e infraestrutura. O Brasil passa por transformação da base de sua economia na indústria da agricultura para a de manufatura, serviços e informação, disputando com a China e outros atores o papel de produtor e exportador. Os necessários recursos definidos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) são, contudo, proporcionalmente mais modestos (6). Finalmente, esses recursos vêm sendo distribuídos em infinidades de projetos individuais, demandados por prefeituras e, portanto, com grande penetração nas realidades locais, mas sem ligação a estratégias conjuntas de tratamento da estrutura urbana e de preparação das cidades e regiões metropolitanas, prevendo sua capilarização nas cidades de médio e pequeno porte, como estruturas para o crescimento econômico. Uma relevante exceção é o modelo de produção industrial de alta tecnologia em escala regional em São Paulo, baseado em redes de cidades de porte médio e pequeno, fortemente interligadas, contando com infraestrutura de circulação e transporte iguais ou melhores às do primeiro mundo. Nesse sistema, o papel da capital São Paulo foi redefinido, permitindo que a falta de infraestrutura material da cidade não seja impeditiva ao funcionamento do sistema maior.
Shenzhen, no sudeste da China:
grau de cobertura urbana em 1988 [Nasa Goddard Space Flight Center]
Shenzhen, no sudeste da China:
a imagem evidencia o rápido crescimento da área urbana,
de modo ambientalmente danoso, em 1996 [Nasa Goddard Space Flight Center]
Shenzhen, no sudeste da China:
área urbana em 2009, com ampliação da península e da rede viária [Google Earth]